VALES
Na época em que trabalhava na Editora Globo, ele andava sempre duro. O salário terminava bem antes do fim do mês, vivia pedindo vales de adiantamento. Em determinado dia, o caixa chiou:
_ Mas, seu Mário, o senhor já tem um monte de vales!
Quis saber com aquele sorriso maroto:
_ Afinal, são vales ou são montes?
NOMES FEIOS
Início de mais uma madrugada. Mário chega à pensão em que morava, na Barros Cassal, perto da avenida Independência e é mal recebido pelos cachorros. Reage aos latidos com todos os palavrões disponíveis. Na calçada, os pintores Waldeny Elias e Gastão Hofstaetter, que passaram a noite bebendo com ele e vieram deixá-lo em casa, assistem à cena.
Em meio à gritaria, abre-se a janela e surge a dona da pensão:
_Mas o que é isso, seu Mário! O senhor, um homem tão culto, dizendo essas barbaridades!
Ele se defende:
_É que a senhora não sabe os nomes que os seus cachorrros estão me dizendo...
PERGUNTADEIRAS
Ele tinha que o maior chato é o chato perguntativo. E apesar de toda a admiração que nutria pelas mulheres, às vezes nem elas escapavam dessa classificação. Carlos Nejar lembra do dia em que ambos foram a Bento Gonçalves para autografar seus livros e conversar com estudantes. No pergunta daqui, pergunta dali, uma universitária, bonita e espevitada, não resistiu e quis saber:
_Mario, por que não te casaste?
Deu uma de suas respostas feitas:
_Porque as mulheres são muito perguntadeiras.
7 comentários:
Deliciosa essa leitura... Sua receita é muito boa, Marli.
Bom dia pra vc!
Vinicius S Factum
Tá lindo esse espaço do Quintana, ele deve estar curtindo muito.
Beijos
Gládis
Muito bom, Marli!! Adorei :)
Valeu pelo link do blog, tá? Vou colocar o seu lá na lista dos amigos do Mario.
Beijão
Crônica de uma Saudade
Centenário do Poeta Mário Quintana
Pois é, querido poeta Mário Quintana, hoje é três de julho de 2006 e farias cem anos!. Farias, não, que fazes, tu sabes o lugar que estás, pois o lugar que estás é o lugar-luz que és, até mesmo e principalmente na escala de valores literário da história. És nome de escola, de rua, de biblioteca, a casa-hotel em que habitavas agora é um Centro Cultural, e lá está a memória viva de tu´alma, teus tarecos diversos entre objetos que te inspiraram, nos poemas que deixaste para nosotros.
Ouvi e vi um menino vidrado te declamando todo garbo, vi tua filha inaugurando uma mostra-exposição, vi teu quarto de dormir – e ainda sonhas? – porque tudo na vidinha passa, mas foste menino-passarinho, com tua poética-passarinho, e lá estava a moça cicerone dando uma lanterna para a turista-repórter boquiaberta te ler em poemas murais, aclareado no escuro, numa bela montagem-instalação de ti, muito além de ti. Já pensou, guri?
Centenário é um poema do longe dentro da gente, ou da gente dentro do longe saudoso e quase pensadilho também?
Pois é, caro poeta Mário Quintana, com tua poesia quintanilha, punhas a alma avelã no quorador das idéias, e secavas o teu poema numa fresta da folha da janela, numa fresta-pano do varal, num ponto de fuga todo especial de ti; tua poética quintaneira de quintais urbanos, trapézios enluados, enfeitiçando a petizada, fuzarqueando, tu mesmo um guri a desvendar os véus de utopias, nas releituras tantas, ricas, páginas viradas de vidas e memórias, de contações e das quireras líricas de tua estadia no meio de nós, poemas aos quatro cantos e aos quatro ventos.
Teu poetar morava nas idéias das coisas. Hoje são cantares, cantatas, nênias e invencionices puras, mosaicos de tua alma nau.
No galeio de teus versos, a poesia trololó, peneiradinha com um gauche em torno de coisas primárias, básicas, primordiais, nutridas pelo teu açúcar, extrativismos de momentos, recolhes de pertencimentos, técnicas de cortar cana e fazer doces palitos-poemas, pilhas-palitos-poemas, energizando o lado piá (grotesco-bucólico) da gente, brava gente, mais a vidinha maroteira das idéias chãs, dando um gute-gute, um chape-chape, feito um recolhedor de focos, polaróides, fotogramas, closes, insights, com tua poetagem que esparramava haicais tropicais em sulinos berços esplêndidos, feito um moinho letral de dizer contentices noturnais e bonitezas pré-aurorais.
Mário Quintana com cem anos, e ainda ali pondo tua alma criança para poetar o belo, o mágico, a poesia que saía leve e suave, nuvem e solta, poucos versos nas metragens e tanto conteúdo existencial. Farias cem anos, belo, e aqui ainda fazes conosco, com teus livros, tuas fotos, tua poesia de ninar gente grande, poeta-passarinho.
No roda-cotia das doces relembranças, o teu sereno olhar de avoar jabuti, a tua voz de menino grande, como uma pequena clarineta-requinta afinada de vivências, os teus gestos magnos, mais o teu olhar acima e sobre todas as coisas, tirando fragmentos de instantes nus, atiçando nodais de injustiças, pincelando tua vida por registrar isso mesmo: teu tempo, as asperezas dos homens, as lanternas sobre tristices dessa gente humilde e a voz do povo resgatada em teu lirismo que embonitava tudo.
Cem anos, Mário Quintana, pois que viajaste fora do combinado, foste poetar nos pagos celestes enserenados de divindades, e nós aqui sem um fotógrafo de registros comuns, cotidianos, como tu; que dão seladura à tabua de carne dessa vidinha que seria uma merreca, se não foste o que deixaste de lastro-lavra, um olhar que via da lagarta de couve ao long-play de Caruso com voz enlivrada por teus criares. Fazes falta, poeta, fazes falta. Saberias colocar quebra-queixo nos nossos curtumes e purgações, porque teus poemas eram esse grude que enricava a nossa alma por teus olhares sadios e recuperadores de momentos, imagens e sentimentos. Na maria-mole queimada de teus poemas, no suspiro cor-de-rosa de tuas palavras, no pé-de-moleque de teu serpentear versos, ficamos sem a benção de teu poetar bendito, buquê de elencos versejados.
Será que foi Mário Quintana quem escreveu tantos versos bonitos, ou foi algum verso-guri delezinho que o criou como encantado, para nos tirar picumãs de tristices? E agora essa saudade beliscando a beldroega da ausência. Ora, deve ser ele mesmo que, de novo, todo trancham, estilingue na mão direita, cetra na calça rancheira ou de morim-cambraia, continua pondo sentimentos revisitados dentro de nossa alma saudosa? Vá saber. Poesia-passarinho não tem engenhos do tempo para nortear, é livre, vai e vem, faz e acontece, se pirulita daqui prali. Por isso que digo que, sim, ele está no meio de nós, e nós o vamos lendo como salmos contentes de seus achados existenciais, como certidões de seus documentos íntimos: belezura de pôr groselha na alma criança da gente, iluminando o coração daquele que ainda têm coração
Querido Mestre Mário Quintana, dá licencinha, como num jogo de contas de vidro, vou pular a amarelinha da saudade água viva e ler os poemas-história-em-quadrinhos que escreveste para que pudesses permanecer sempre moleque-camaleão dentro da alma rueira da gente.
-0-
Silas Correa Leite – Estância Boêmia de Itararé-SP
E-mail: poesilas@terra.com.br
Site www.itarare.com.br/silas.htm
E-book O RINOCERONTE DE CLARICE no site www.hotbook.com.br/int01scl.htm
Autor de Porta-Lapsos, Poemas, 2005
Lindo, parabéns
Adorei o blogue
Tem mais Silas Correa leite?
Poems
Poems are
birds that come
nobody knows from where
and touch down on the book
you are reading.
When you close the book,
they take flight,
as if fleeing from a bird trap.
They have no resting place,
no haven,
they feed, for an instant,
from each pair
of hands
and leave.
Then, you look
at your empty hands
wondrously surprised
to know
that their nourishment
was already in you...
Mario Quintana
(translated by John D. Godinho)
Poems in Time’s Hiding Places
Thank you, John!The poem is beautiful.
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